quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Que é isso, novinha? Que é isso?

Ser feminista. E colocar em prática o feminismo. Na cena. Na rua. No meio da rua ou na calçada. E, em cena na rua, ser manifesto. Optar por um modo de falar discursivo. Gritar no mega fone. Falar aos quatro cantos. Ser mulher. Estar mulher. Ser na linha de frente e estar na faixa de pedestres. Ser efêmera e assumir isso. E, ao mesmo tempo, continuar no mesmo lugar. 

Mulheres paradas – é gasolina, parei o trânsito, é diet: sou 2013, da Companhia Ponto, é uma obra que muda de nome a cada ano. E, a cada ano que passa, a violência contra a mulher continua existindo. Desde antes de o espetáculo existir até o ano de 2013. A primeira vez que eu assisti, o título era Mulheres paradas – é gasolina, parei o trânsito, é diet: sou 2010. Entre esse ano e o ano de 2012,estiveram no elenco Maurileni Moreira, Tatiana Valente, Tayana Tavares, Cassia Albano, Eduarda Talicy, Jéssica Cruz e Yasmin Elica. Hoje, em 2013, as mulheres são, além de Maurileni, Tatiana e Tayana, Danielly Oliveira, Mariana Elâni e Nataly Barbosa.

Mulheres paradas foi 2010, foi 2011, foi 2012 e agora está sendo 2013. Tempos e espaços mudaram, corpos mudaram, cenas mudaram, mas a estrutura continuou a mesma. Porque, apesar de já ter passado esse tempo de três anos, as mesmas questões são pertinentes até hoje. É que o machismo de todo dia é o mesmo, e todos os dias alguém é vítima dele. No entanto, a sua forma de acontecer se modifica. O machismo ganha novas formas em sua tradição agressiva. As músicas mudam, as situações são outras e até algumas piadinhas tão batidas e costumeiras também modificam algo em sua estrutura. Então, as mulheres paradas, que caminharam todo esse tempo, modificam, adaptam e recriam, para uma mesma estrutura, cenas novas. E assim elas são passageiras para continuarem permanentes.

E como ainda é preciso dizer tudo isso. É possível enxergar a necessidade dessa obra através de como a rua comporta as Mulheres paradas. É possível perceber nos rosto das pessoas o quanto ainda é estranho ouvir mulheres falando jeito que elas falam. E é cruel o desmascaramento disso diante de todos aqueles que estão lá como participantes ou espectadores atentos ou curiosos ou escondidos. É cruel o quanto tudo, na boca dessas mulheres, acusa todo mundo o tempo todo, do início ao fim e até depois do fim. O quanto ninguém sai livre diante da voz de protesto dessas mulheres que gritam pela liberdade. Elas mal cabem nesse espaço da rua que às vezes parece querer engoli-las, por mais que elas não deixem que isso aconteça. E aí está o maior risco de apresentar algo do tipo. Elas estão falando sobre o machismo e, apesar disso, ataques misóginos não deixam de acontecer. Vem dos pedestres, dos carros, de todo lugar. E elas correm, sim, o risco de serem sucumbidas. E elas estão, sim, sendo agredidas em cena. Naquele lugar. Naquele minuto. E todos que estão lá são, sim, testemunhas, vítimas ou cúmplices.

A experiência proporcionada por esse tipo de acontecimento que a cena provoca é uma ferramenta que não deve ser nunca desperdiçada. Não deve nunca passar a olhos não vistos dos espectadores e, muito menos, das intérpretes. E mesmo que todos os espectadores vejam, é necessário que, os que não viram, vejam. Para isso estão as intérpretes dessa obra: para, além de reafirmar o que se sabe, mostrar o ainda não visto. É preciso reafirmar o tempo todo, em cena, todas as questões. Nunca é demais. Nunca se esgota. 

A maior justificativa para o acontecimento dessa obra é que na rua realmente se acusam todas as coisas. É a prova viva do que acontece. É um flagrante. De verdade. Que escapa. Não é ficção. E, no dia que a rua não acusar mais, vai ser porque, provavelmente, as questões serão outras. 

Ser cena e estar em cena não seria suficiente diante de tudo o que a rua exibe afinal. É lógico que ao ver Mulheres paradas nós estamos diante de uma obra cênica. Sem dúvida. Foi pensada como obra e existe enquanto obra. Mas ultrapassa os limites da cena e se configura como uma arma de protesto também. O modo de estar nessa cena-protesto é múltiplo. As intérpretes são dançarinas e atrizes, são performers, têm suas marcações, têm seus textos preparados, no entanto assumem um corpo manifestante. E, dessa maneira, assumem as estratégias de tal corpo, se modificando de acordo com as necessidades da guerra vigente. Isso está no modo como a dramaturgia se dá, está no modo como o texto está escrito e falado em cena e está no modo em que elas se relacionam com o tempo e o espaço. Assim, a performance se dá também como luta constante, mesmo em cenas onde o protesto não é evidentemente visível.

De outro jeito, como seria Mulheres paradas? Elas seriam?

Há ainda quem pense que feminismo é ser anti-homem. A meu ver, isso é apenas mais um uma prova de que o machismo existe.

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