sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Uma criada


Os primeiros minutos do filme mostram o aniversário de Raquel organizado pelos seus patrões. Um clima de descontração aparentemente forçado, uma demonstração de carinho forçada, quase um pedido de desculpa fajuto. E Raquel nos mostra o quanto ela é amarga. E isso nos revolta. Depois, o filme vai para outro caminho muito diferente do que ele apontou de início. Nós enxergamos outros lados. E depois Raquel nos irrita, e nós temos raiva dela realmente. Depois, como se nós fossemos realmente superiores, nós achamos que temos o direito de ter pena dela. E então, depois, pode ser que nós queiramos realmente entendê-la e, ao invés de julgá-la, estarmos com ela.

O filme é A criada, de 2009, dirigido por Sebastián Silva e com roteiro dele e de Pedro Peirano. É um filme muito simples, sem grandes artifícios, baseado na relação da empregada doméstica Raquel, interpretado por Catalina Saavedra, com a família da casa onde ela trabalha. As situações são repetitivas, tudo parece ser muito lento, os diálogos são banais: são coisas do dia-a-dia de uma casa: e é essa a vida de Raquel. E a vida dela é realmente apenas isso.

O corpo criado por Catalina para a sua personagem é extremamente retraído. O seu olhar é fugitivo. As ações dela não são as de uma mulher livre, mas as de alguém automatizado. Ela mal sorri. Ela mal pensa no próprio corpo, na própria existência, e então ela é o que ela é. O minucioso trabalho de atriz de Catalina é surpreendente. É, provavelmente, a principal centelha que mantém o filme aceso do início até o fim.

Raquel é uma mulher comum. Talvez, de tão comum, seja estranha. Uma empregada doméstica comandada pela sua rotina. Uma mulher sem corte de cabelo. Uma figura estranha e incômoda. Que dói. Do jeito que dói Macabéa, de Clarice Lispector, em seu livro A hora de estrela. Porque nos acusa. Porque nos encosta na parede. Porque nos pergunta o porquê da estranheza dela.

Mas então o corpo, a partir de certo momento, ganha um novo olhar sobre ele e, com isso, uma certa importância. Perceber isso é, de certa forma, libertador. E aponta Sebastián Silva como um realizador sensível e bonito. Um apontador de caminhos que faz o trajeto desembocar para outro lado e que, ao final, transforma o desfecho em um lugar de recomeço.

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