quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O caminhar para trás de Agnès me faz andar para frente

Essa ideia de memória como uma simples bagagem ou lembrança de algo que já passou é pura bobagem. Se a memória é memória, é justamente porque ela está mais presente do que nunca. Que, se fosse esquecimento, aí sim seria fato passado e pronto. Mas não. Se é memória é porque acontece agora, nesse exato momento. É tradição. É retrato sempre visto. É algo que permanece e que, ainda sim, está em estado de modificação, como tudo que é vivo.

Memória é como Cinema. É encontrar um filme e assistir tudo de novo, com outra cabeça, e se relacionar com aquilo tudo novamente. E essa relação vai ser inevitavelmente nova, porque tudo é novo o tempo todo.

As praias de Agnès, um filme de Agnès Varda de 2009, o último dela até agora, foi primeiro dela que eu pude ver na minha vida. E quando eu vejo uma velhinha andando de costas, como eu pude ver nesse filme, eu me surpreendo pelo risco que ela ainda se põe. Não por simplesmente estar andando de costas e ser uma velhinha, mas por se colocar no lugar de quem ainda tem o que descobrir. Essa velhinha é a própria Agnès. E esse filme é a sua autobiografia. E ela anda como se ir à frente fosse voltar. Ou não: como se andar à frente e de costas fosse encontrar paisagens novas em lugares já conhecidos, parecendo sempre estar disposta a um novo acidente, uma nova revelação, um novo documento.

Sim, é claro que ela poderia andar da mesma maneira vida toda, na mesma direção e com os mesmos passos e, ainda sim, ela estaria andando de maneira nova. Os músculos mudam, os ossos mudam; o mundo muda e nós mudamos no mundo também. Mas há a possibilidade também de exercitar o olhar de outra maneira também nova. E assim surgem novos pontos de vista, uma nova investigação de movimento, uma outra possibilidade de criar, um cinema novo, uma nova Nouvelle Vague. Não que exista essa pretensão na artista. Eu não sei. Mas essa renovação não deixa de ser um acontecimento nessa revisão de tudo o que ela vive. 

Sim. Tudo pode estar renovado. Tudo vai ser renovado a partir desse momento. E assim ela me convida a lançar um novo olhar para o mundo. Um novo olhar sobre o mundo. Um novo olhar acerca do mundo. Um novo olhar no mundo. E eu aceito esse convite. E percebo esse mundo dela, que também é meu. E encontro o meu mundo, que também é dela. E experimento caminhar, conhecer, ter aulas magníficas de fotografia, de composição, de tudo. Divagar sobre as incertezas. Reconstituir o que a história ensina. Perceber a vida como algo possível. E perceber a arte como algo possível. Observar o tempo. Sentir saudades imensas de tudo aquilo que eu ando vivendo desde o dia em que eu nasci. E estar aberto a, assim como Agnès, ser sempre jovem. Porque sim, é possível. É simples. É como estar aberto a um encontro. Mas um encontro realmente. Esta é uma possibilidade muito boa para criar e para viver. É uma dica irreparável. E não há como conjugar se não for vivendo.


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